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Enem 2017: Análise de Redação Nota 1.000

Enem 2017: Análise de Redação Nota 1.000


A prova de redação da edição de 2017 do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve como tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil” e pouquíssimos textos obtiveram nota máxima (mil pontos), 53 dissertações-argumentativas, para sermos mais exatos. O tema, que pegou de surpresa a grande maioria dos participantes, provavelmente é um dos aspectos responsáveis para este resultado por se tratar de um tema de difícil execução e de uma questão muito específica.
Isso também pode ser verificado pelo número de redações que fugiram do tema e, por isso, receberam nota zero (309.157 textos). Muitos candidatos se confundiram ao escrever a dissertação-argumentativa e abordaram os deficientes visuais e não os auditivos, já que a coletânea de textos motivadores mencionava o Braile, o sistema de escrita utilizado por deficientes visuais e por pessoas com baixa visão.
Alguns fatores podem contribuir para a nota zero e para as notas acimas de média. Não basta conhecer o tema previamente, já ter lido ou o discutido em sala de aula se o participante não tiver em mente a estrutura da dissertação-argumentativa, tempo hábil para cumprir a prova de redação e calma, muita calma. Um participante que reserva pouco tempo para a prova de produção de texto pode se confundir muito mais e, na ansiedade de terminar, meter os pés pelas mãos.
Não foi o que aconteceu com a participante Maria Clara Delmas Campos, 18 anos, estudante do Rio de Janeiro. Sua redação foi uma das 53 que obtiveram a nota máxima no Enem 2017. A seguir, o texto na íntegra:
A formação educacional de surdos representa um desafio para uma sociedade alienada e segregacionista como a brasileira. O desconhecimento da língua brasileira de sinais — LIBRAS — e a visão inferiorizante que se tem dos surdos podem acabar por excluí-los de processos educacionais e culturais e mantê-los marginalizados em relação ao mundo atual. Portanto, esses desafios devem ser superados de imediato para que uma sociedade integrada seja alcançada.
Em primeiro lugar, a pouca abrangência da língua de sinais entre os mais diversos setores da sociedade faz dela um ambiente inóspito para os deficientes auditivos. Pesquisas corroboradas por universidades brasileiras e estrangeiras, como a Unicamp e a Universidade de Harvard, atentam para a importância da linguagem como principal porta para a convivência social, permitindo uma multiplicidade de interações interpessoais, como as de educação, cultura, trabalho e lazer. Assim, quando a sociedade se fecha à comunicação por sinais, justificada pela ignorância, aqueles que dependem dessa linguagem têm dificuldades de obter educação de qualidade e ficam, muitas vezes, à margem das demais interações sociais.
Além disso, a maioria das escolas brasileiras não incluem os surdos, assim como os demais portadores de necessidades especiais, em seus programas, estimulando a diferença e o preconceito. Por mais que a legislação brasileira garanta o ensino inclusivo, a maioria das escolas brasileiras não possuem estrutura para atender aos deficientes auditivos, principalmente por conta da falta de profissionais qualificados. A pouca inclusão dos jovens deficientes e não-deficientes valoriza a diferença entre eles, gerando discriminação e uma sociedade dividida. O renomado geógrafo Milton Santos dizia que uma sociedade alienada é aquela que enxerga o que separa, mas não o que une seus membros, algo que se evidencia na exclusão de surdos em todos os níveis de ensino.
Dessarte, visando a uma sociedade mais justa, é mister superar os desafios da educação de deficientes auditivos. Para que o surdo se integre aos diversos meios sociais, como o educacional, o MEC deve fazer uma reforma curricular, que contemple o ensino de LIBRAS como obrigatório em todas as escolas, através de consultas populares na internet para determinação da carga horária. Ademais, com o intuito de tornar as escolas inclusivas, o MEC e o Ministério do Trabalho devem prover as escolas de profissionais capacitados, que possam lidar com alunos surdos através de programas de capacitação profissional oferecidos pelo SESI e SENAC. Dessa forma, o ensino tornará a sociedade brasileira mais unida.
A dissertação-argumentativa de Maria Clara não tem título, algo previsto pelo edital da prova de redação do Enem; para o exame, o título é facultativo e o participante que não intitula seu texto não tem prejuízo em sua nota.
O primeiro parágrafo do texto de Maria Clara é uma introdução que resume toda a sua linha argumentativa e, assim, resume tudo o que está por vir. A participante afirma, logo no início, que a formação educacional dos surdos no Brasil é um desafio (reafirmando o tema da prova, inclusive) para uma sociedade alienada e segregacionista como a brasileira (não só com os surdos, obviamente e infelizmente). A alienação da sociedade inclui, para a estudante, o desconhecimento da língua brasileira de sinais (Libras) e a segregação se dá, entre outros meios, por meio da exclusão das pessoas surdas dos processos educacionais e culturais, deixando-os à margem da sociedade. De maneira incisiva, Maria Clara apresenta o tema e a sua opinião ao leitor, não poupando críticas ao escolher palavras fortes como “alienada” e “segregacionista”.
O segundo parágrafo apresenta o argumento principal do texto: os deficientes aditivos são segregados e marginalizados por, entre outras coisas, a língua brasileira de sinais não ser ofertada, ensinada, aprendida e usada em diversos setores da sociedade, já que a linguagem, de acordo com a participante, é a porta para a convivência social no trabalho, no ensino, no lazer etc. Ao utilizar esta estratégia argumentativa, Maria Clara fundamentou seu argumento, isto é, explicou porque a Libras é fundamental para a inclusão dos surdos na sociedade brasileira.
No terceiro parágrafo, o texto foca na questão do ensino, afirmando que a maioria das escolas do Brasil não incluem, de fato, os deficientes auditivos e os demais portadores de necessidades especiais, uma referência a todas as pessoas deficientes que tentam obter inclusão escolar, mas não conseguem; esta menção, todavia, não tangencia o tema, apenas refere-se aos demais casos, mostrando que a participante é ciente desta situação que não abrange apenas os surdos brasileiros.
A consequência disto, de acordo com o texto, é a diferença e o preconceito, causados pela falta de profissionais qualificados em inclusão nas escolas brasileiras. Neste terceiro parágrafo, a participante encaixa adequadamente uma paráfrase de Milton Santos que afirma que uma sociedade alienada é aquela que enxerga o que separa, não o que une, fenômeno que pode ser atestado nas escolas brasileiras.
O quarto e último parágrafo, ou seja, a conclusão, reafirma que é fundamental superar os desafios apontados ao longo do texto. A proposta de intervenção social sugerida é uma reforma curricular, promovida pelo Ministério da Educação (MEC), que contemple a Libras, tornando-a uma disciplina obrigatória, com a participação de toda a sociedade para decidir sobre a sua carga horária (algo muito detalhado). Além disso, Maria Clara propõe que escolas técnicas formem profissionais qualificados e capacitados para lidar com alunos surdos em todas as escolas, o que tornaria a sociedade mais unida.
Assim, na conclusão, a participante retoma os pontos-chave de sua dissertação-argumentativa (a pouca oferta de Libras e a falta de profissionais especializados) e sugere propostas de intervenção sociais para ambos, fechando seu texto. Além disso, ao longo de todo o texto, a estudante obedeceu a norma culta da Língua Portuguesa e usou um vocabulário diversificado e formal, típico de trabalhos formais e acadêmicos, inclusive. Seria interessante se ela tivesse transcrito as siglas mencionadas, mas isso não fez falta.

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